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sexta-feira, 30 de julho de 2010

O Fogo da Boa Vista

    A Coluna Prestes foi um movimento político-militar de origem tenentista, que entre 1925 e 1927 empreendeu uma marcha pelo interior do Brasil defendendo reformas políticas e sociais e combatendo o governo do presidente Artur Bernardes (1922-1926). No ambiente de contestação às oligarquias e sob a influência do tenentismo, remanescentes da Revolução de 1924 uniram-se a dissidentes do Rio Grande do Sul e seguiram para o interior. Sempre conseguindo vitórias, a Coluna combateu forças regulares e milícias privadas de fazendeiros. A Coluna que poucas vezes enfrentou grande efetivo do governo empregava táticas de guerrilha, para confundir as tropas legalistas. Cerca de 1200 homens, chefiados por Juarez Távora, Miguel Costa e Luiz Carlos Prestes percorreram, durante 29 meses, 25 mil km nos estados de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia. Ao final de 1926, com mais da metade dos combatentes atacados pela cólera e sem poder continuar a luta, a Coluna procurou asilo na Bolívia. Não conseguindo derrubar o governo do presidente Washington Luiz (1926-1930), mas a invencibilidade da Coluna contribuiu para o prestígio político do tenentismo e reforçou as criticas as oligarquias. Sua atuação ajudou a abalar os alicerces da República Velha, a preparar a Revolução de 1930, a afirmar a liderança nacional de Luiz Carlos Prestes.

    A passagem da Coluna Prestes por Bocaina, Piauí, deixou rastro de pavor, e o pânico tomou conta da população. Cerca de duzentos revoltosos compunham o grupo. Eles permaneceram na região vários dias, ocasião em que invadiam casas, fazendas, retiros, sempre à procura de bens, víveres, animais, ouro, prata e tudo que pudesse ajudar nos custos da revolução comunista encetada por Luiz Carlos Prestes, que não fez parte deste grupo e não participou deste episódio. Foram ações dessa natureza que rotulou a Coluna com uma imagem negativa, pois transmitia o medo generalizado na população.

    O fato mais importante dessa intentona na região se deu na data de 20 de janeiro de 1926 na fazenda Boa Vista, zona rural de Bocaina, ocasião em que os revoltosos ocuparam a propriedade obrigando a fuga de parte da família do fazendeiro e comerciante Cícero Gomes Vieira, permanecendo dois de seus irmãos e uma criada, como reféns. Este acontecimento ficou registrado nos anais da história como “O Fogo da Boa Vista”, e permanece vivo até hoje na memória do povo bocainense.

    O confronto entre os membros da Coluna e as tropas legalistas durou mais de duas horas, ficou gravemente ferido o senhor Ciro Gomes Vieira e morto seu irmão Arlindo Gomes Vieira que fora abatido pelas forças leais ao governo que o confundiu com um dos revoltosos.

    Segundo a crônica local, as tropas legalistas saíram vencedoras e os revoltosos fugiram para o Ceará com muitas baixas. Na fuga perderam um alforje com dinheiro, prata e ouro que foi encontrado pela agregada Maria de Rufino, que com medo de maiores conseqüências e em obediência o entregou ao seu patrão senhor Cícero Gomes, que ampliou ainda mais sua fortuna.

    A fazenda Boa Vista outrora fez parte do grande patrimônio do genearca Raymundo de Souza Britto, filho de Borges Marinho, que a deixou como herança para um de seus filhos, o capitão da Guarda Nacional Antônio Francisco de Souza Britto, este consequentemente a deixou para um de seus descendentes Vicente Francisco de Sousa Britto, seus herdeiros a venderam a Cícero Gomes Vieira, que da mesma forma procedeu, vendendo a propriedade ao atual dono, senhor João Trajano.

    A propriedade era composta de açude, engenho de cana, pastagens, juncais, currais de madeira, cercas de pedras, e a casa da sede principal construída nos moldes dos grandes latifúndios nordestinos, inclusive, preservando no seu interior, os recursos de escadaria e sótão, que servia de abrigo em épocas de tensão como este episódio em epígrafe, sendo que na lida cotidiana, servia para o patrão postar-se na janela de onde, célebre, ordenava as atividades e afazeres corriqueiros do dia aos seus empregados.

    A propósito: contava e cantava o poeta e folclorista bocainense Luiz Camilo, que por ocasião do fogo da Boa Vista um outro descendente da figura histórica e lendária de Raymundo de Souza Brito, o senhor Carlos Antônio de Souza Brito, mais conhecido por “Véi Carrim” acometido de imenso pavor, saiu correndo da fazenda Boa Vista até o arraial “Aroeiras” no sopé do Morro Grande, e, lá chegando, esbaforido pelo cansaço e pelo medo, narrou os acontecimentos carregado de grande emoção; daí ficou perpetuado para sempre nos versinhos do poeta alusivo ao fato:


 “No fogo da Boa Vista
  Carrim deu de lá pra cá,
  Chegando nas Aroeiras
  Modesto, vamos rezar,
  Que guerra começou
  E nóis vamos se acabar”.


* Cronista membro da UPE – União Picoense de Escritores
Do site: http://www.fnt.org.br/artigos.php?id=188, Portal do sertão.



segunda-feira, 5 de julho de 2010



RAMSÉS RAMOS
(1962-1998)


Nasceu em Teresina, Piauí, descendente de família de músicos. Viveu em Brasília e trabalhou nas Nações Unidas, como chefe do Cerimonial e de Relações Internacionais. Viveu também na Tchecoeslováquia e na Espanha. Faleceu na Rússia.

Lançou seis livros de poesia:  Dois Gumes (1981), com Rosário Miranda; Envelope de Poesia (coletivo); Dança do Caos (1981), com Kenard Kruel, Eduardo Lopes, William Melo Soares e Zé Magão; Percurso do Verbo (1987); Baião de Todos (coletivo, 1996); e Poemas da Paixão (Praga, 1992). 


saudade me botou na parede

— há de chorar

mas eu sei que a rede
em que me reparto
é um banquete raro
tanto fino quanto farto

saudade triscou no gatilho
— impossível não prantear

mas eu sinto que o ato
entre o partir e o ficar
é o fico, não o parto


sete pecados do amor

o melhor amor é o que não faz alarde
(mar como arde)
ao melhor amor nunca se esquece
(mas quem merece?)
melhor amor sempre tem dinheiro
(onde, o banqueiro?)
o melhor amor é desinteressado
(todo mundo é culpado!)
melhor amor jamais atraiçoa
(desse se caçoa)
o melhor amor te amará eternamente
(quanto se mente!)
o melhor amor, enfim, de tudo abdica
(esse, com quem fica?)



Poemas extraídos de
TAVARES, Zózimo.  Sociedade dos Poetas Trágicos. Vida e obra de 10 poetas piauienses que morreram jovens.  2 ed.  Teresina, Piauí: Gráfica do Povo, 2004.

e també do site; http://www.antoniomiranda.com.br




PAULO JOSÉ CUNHA

É poeta, jornalista, professor e documentarista piauiense que nasceu no Rio de Janeiro e vive em Brasília. Publicou em 1984 seu primeiro livro de poemas, Salto sem Trapézio (Senado Federal, Coleção Lima Barreto, Vol. 5, Brasília) e 25 anos depois lançou o segundo, Perfume de Resedá, uma coleção de memórias prefaciadas pelo poeta H. Dobal, sob o selo da editora Oficina da Palavra, de Teresina. Participou das antologias Poesia de Brasília (org. Joanyr de Oliveira) e Mais Uns – Coletivo de Poetas (coord. Menezes y Moraes).

Publicou também dois livros de arte sobre a festa dos bois-bumbás de Parintins, Vermelho – Um Pessoal Garantido e Caprichoso – A Terra do Azul, além dequatro grandes edições de Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês. Em 1978, lançou A Noite das Reformas, um livro-reportagemsobre os bastidores da votação da emenda que extinguiu o AI-5. Como jornalista trabalhou nas sucursais da TV Globo e de O Globo, Rádio Nacional e Jornal do Brasil, em Brasília. Atualmente é âncora de três programas na TV Câmara e leciona na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

Primo do tropicalista Torquato Neto, PJC recebeu do poeta H. Dobal o seguinte comentário pelos poemas de O Salto Sem Trapézio: “O jornalismo e a juventude lhe deram a possibilidade de usar temas e linguagem atuais, sem o perigo de cair no vulgarismo e no artificialismo dos modismos passageiros. E quanto a isto, sua poesia tem um aspecto único”.

Sobre Perfume de Resedá, H. Dobal, que faleceu em maio deste 2009, deixou registrado: “Uma das funções da poesia é desencantar lembranças, sujeita, no entanto, ao risco de tornar-se apenas uma prosaica enumeração. PJC cumpre esta função, evitando este risco. O seu mundo poético surge da poesia intrínseca das lembranças, realçada pelo poder que as palavras adquirem no contexto.” 
Página preparada por Angélica Torres Lima.


O CASO DOS DOIS BEIJOS
 
No tapete ao lado da cama,
hoje pela manhã,
encontrei dois beijos vadios
que se desprenderam à noite
de teus cabelos
e caíram no chão. 
Um deles (o mais tímido)
machucou-se um pouco na queda,
chora e só fala em voltar pra casa.
Já o outro, de uma família de saltimbancos,
em troca de dois vinténs
tomou o lugar de um dos meus. 
Agora, teu beijo saltimbanco anda comigo.
Faz piruetas dentro do bolso da calça,
e diz que nunca mais voltará pra casa. 
Enquanto isso o meu beijo, um andarilho,
fugiu e agora anda contigo.
Tem feito longas caminhadas pelo teu rosto,
se enrosca em teus cabelos,
escorrega pelo teu corpo,
pendura-se no bico de um seio,
vez por outra se esborracha no chão,
e, com um sorriso safado,
abre os bracinhos
e diz umas piadas sujas
que te fazem rir,
            encabulada...  


A ATRAÇÃO DO ABISMO

Súbito, o silêncio.
O ruflar das asas do condor sobre os quintais,
e o som de sua voz absoluta: 

- Já sabes a hora?
   E o dia, já sabes o dia?,
   ou vais deixar que o acaso te encontre
   fiando a tua covardia?

ENQUANTO SEU LOBO NÃO VEM
 
Sigamos juntos, vamos de mãos dadas
Que apesar das noites, restam as madrugadas.
Sigamos de mãos dadas, vamos
Para algum lugar, longe daqui, sigamos.

Pois mesmo que o caminho seja escuro,
os muros sejam altos, e as arestas, afiadas
alguma luz se infiltrará nas frestas
e algo muito puro, que não sei o nome,
circulará por entre as mãos entrelaçadas

Vamos pela noite sem deixar pegadas
que a morte é certa; a vida, curta; e o mundo, enorme.
Me dá tua mão, sigamos juntos, vamos
que a rua está deserta e o monstro dorme.



fonte; http://www.antoniomiranda.com.br, mais nesse site.


ÁLVARO PACHECO

Nasceu em 28 de novembro de 1933 no Piauí e mudou-se para o Rio de Janeiro em 1959. Jornalista, editor, poeta, advogado de formação.

“...os poemas de Álvaro Pacheco tocaram este leitor: na era do homem de acrílico a poesia continua a emitir sinais luminosos e confortadores, por mais que se queira esvaziá-la de todo sentido — e a sua tem aquele propriedade.” Carlos Drummond de Andrade

“Álvaro Pacheco é o conciliador do antigo com o moderno, do urbano com o rural, da esperança com o desengano, do discurso coma paisagem significativa. Atrai também o seu jeito de fazer poesia, isto é, o estilo, mistura de espontaneidade e amarga filosofia. Uma crosta festiva, alegre cobrindo com travo de amargura que — importante! — não se derrama, não se vulgariza. E metendo um palavrão dentro do poema, tão natural, sem chocar, sem constranger. Funcional.” Fábio Lucas


DOR

A mão se fecha
você se crispa
em dor. 

Você se crispa
a dor se abre
em flor: 

e você não sabe
na terceira pessoa do singular
porque realmente sofrer
essa dor plural. 



SOLIDÃO


Que ninguém me conspurque este momento
de estar comigo
e me deixe intata a solidão.

que ninguém venha
na hora de não vir — e vindo
me deixe desolar.

que ninguém me conspurque a solidão
e me deixe crestar
ao reflexo e na massa intata
da lava dessa hora de mim mesmo
a consumir-se inteiro.

                      Vitória, agosto de 1968

 

 Rio de Janeiro: Aeroplano, 2003
Em estado de perplexidade frente a tudo que remeta ao não-sentido de ser, a voz de Álvaro, estoicamente, contempla o vazio da transcendência e acolhe a inelutável dissolução da matéria (...)”  Antonio Carlos Secchin

Alcides Freitas nasceu em Teresina, em 4 de julho de 1890. Estu­dou no Liceu Piauiense, cursou Humanidades e, terminado o curso, em 1906, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia. Na defesa da tese de doutorado, na área de Fisiopsicopatologia, produziu um texto - Da Lágrima - que já revelava o grande poeta que existia dentrC? de si, pois era muito mais afim à literatura do que à ciência. A tese foi publicada em 1912, o mesmo ano da edição do livro Alexandrillos, escrito em parceria com o irmão Lucídio Freitas.

Publicado em outubro de 1912, o livro Alexandrinos mereceu elo­gios de críticos de renome nacional, como Osório Duque-Estrada, autor do Hino Nacional Brasileiro, José Veríssimo, Clóvis Beviláqua e Laudemiro de Menezes. Também os piauienses, como Zito Baptista, An­tônio Chaves, Abdias Neves é Cristino Castelo· Branco, aplaudiram a obra de estréia do poeta.

Conta a professora Socorro Rios Magalhães que, antes mesmo do lançamento do primeiro livro, os jovens poetas Alcides Freitas e Lucídio Freitas já gozavam de grande prestígio entre os conterrâneos. "A par do pendor pelas letras, demonstrado desde a infância, e dos estudos superiores feitos fora do Estado, eram ainda filhos de Clodoaldo Freitas, naquele tempo já uma legenda no meio intelectual e político do Piauí", destaca a professora .
   
O bambu

Exposto ao dia, à noite, à beíra da lagoa,
Onde se miram, rindo, as boninas do prado,
Vive um velho bambu, velho, curso e delgado,
A escutar a canção que o triste vento entoa ...

Jamais os leves pés de um trovador alado,
Desses que pela mata andam cantando à toa,
Pousara-lhe num ramo! Apenas o povoa
Alta noite, agourento, um corujão rajado ...

E vive, — arcaico monge a gemer solitário,—
­A sua dor sem fim, o seu viver mortuário,
Tristonho a refletir no fundo azul das águas ...

Como bambu da mata, exposto ao sol e ao vento,
Do deserto sem fim de meu padecimento,
Triste nos olhos teus reflito as minhas mágoas!. ..

(Alexandrinos, 1912)