Mário                 Faustino                                   
Amante                 da morte                                    
 “Sinto                 hoje, no coração, um vago tremor de estrelas” (Lorca)                                   
                       Vida,                 amor e morte são temas capitais da poesia de Mário  Faustino.                 Entrelaçados, esses elementos sustentam o seu timbre  poderoso,                 erudito. A morte em Mário não é apenas um pretexto de                 escrita, uma vacilação. É anseio, pressentimento. A sua  morte                 trágica em 27 de novembro de 1962, na explosão de um  Boeing da                 Varig, confirmou a previsão de uma frenóloga de Nova  York.                 Morreu aos 32 anos de morte anunciada e pressentida.  Toda a sua                 obra é marcada de presságios, envolta numa aura  dramática,                 tensa, onde a morte paira seu silêncio e vulto.                                   
                       O poema Romance é exemplar dessa premonição. A                 respeito desta peça literária, a professora Albeniza  Chaves,                 da Universidade Federal do Pará, se pronunciou: “O poeta                 experimentará situações místicas, pressentirá a  proximidade                 do seu fim, sentirá, novo Cristo, o abandono e a  traição, o                 peso e a ingratidão do mundo, fará, enfim, a sua via  crucis                 sem conseguir resolver o enigma Vida-Morte, diante do  qual seu                 sentimento é o trágico e o amor fati                 – aceitação heróica do destino”. Albeniza                 prossegue em sua análise: “Esse amor fati, ainda  expressão                 de erotismo universal de Mário Faustino, tem algo de                 tragicidade inerente à atitude desafiadora do homem que  procura                 uma estranha fé na Vida que a Morte revigora. É a  confiança                 do ser desnudo, a fé na existência pela existência, que  chega                 até mesmo a transformar a morte num acontecimento  festivo,                 amado, esperado, como proclama a canção Romance: “Não  morri                 de mala sorte/morri de amor pela morte”.                                   
                       Poeta construtor, artífice,  a                 mão suando cada verso, a palavra precisa em cada gesto,  Mário                 – que também era jornalista – sabia das torturas que o                 poeta submete o vate desamparado. De nada adianta  recorrer às                 musas simplesmente; é preciso pulsar a obra, concebê-la  como                 universo a lapidar, suor, trabalho. Escrever – e  escrever bem                 – é uma tarefa difícil, mas o poeta se atirou a essa  penosa                 empreitada. Buscou em Eliot, em Pound, nos poetas da  Antigüidade,                 as pilastras para a consumação de uma obra em  vertiginosa                 ascensão.                                   
                       Durante os anos em que editou a página Poesia  Experiência,                 no Jornal do Brasil, mostrou sua verve crítica, a  capacidade de                 reconhecer o verso preciso, a poesia fundamental em  contemporâneos                 e avoengos. Comentava com precisão a metáfora ímpar e  demolia                 sem titubear o texto empavonado e incompetente. Exigia  dos                 autores o compromisso com a palavra, com a evolução da  poesia.                 Exigia-lhes conhecimento do terreno, capacidade de  superação.                                   
                       Seu único livro publicado, O Homem e sua Hora,  foi                 suficiente para dar a conhecer a sua voz poderosa.  Poesia de tom                 nunca decadente, a de Mário. Em seu texto jamais o  desleixo, a                 irresponsabilidade que conduz ao verso mal acabado à  barbárie                 do poema sem convicção e sem unidade. Nesta edição, há  bons                 exemplos de sua escritura. A palavra como ética, como  expressão                 e como estética.                                   
                       Mário nasceu no Piauí e aos nove anos mudou-se  para Belém.                 O episódio da vidente de Nova York é significativo.  Mário não                 levou a sério as previsões da astróloga e frenóloga                  sobre as péssimas conjunções do período. Riu-se o                 poeta, mas na hora de viajar adiou o quanto pôde, afinal  a                 vidente havia conseguido revelar, sem erro, detalhes do  passado                 de Faustino. Quando não era mais possível adiar, ganhou                 coragem e partiu. Antes, cheio de desconfiança, deixou  com a mãe                 adotiva (sua cunhada) instruções de como proceder caso a                 fatalidade... ah, a fatalidade...                                   
                       Os que falaram com Mário antes da viagem  revelaram-no                 tranqüilo. Tranqüilo, voou nas asas da morte. Partiu,  deixando                 um vácuo na vida literária brasileira. Sim, porque não  são                 poucos os que afirmam que a página Poesia Experiência  até                 hoje não encontra par pela contribuição que promoveu do  fazer                 poético, pela crítica contundente e pelo debate teórico                 profundo e refinado.                                   
                       Mário Faustino era bem o crítico arguto,  exigente,                 implacável, que não poupava nomes da envergadura de  Drummond e                 João Cabral de Mello Neto, sem falar em Vinicius de  Moraes. Do                 poeta de Claro Enigma, afirmou convicto e quase cruel  que nunca                 seria um Pound, um Elliot, pois faltava-lhe  “participação”,                 deixar de agir poeticamente só pelos poemas que  publicava e                 discutir a sério a poesia. Outra: “Cala-se. Não  manifesta                 grande interesse pelo progresso da poesia”, cobrou a  certa                 altura do competentíssimo Drummond.                                   
                       Mas sua fina percepção sabia reconhecer as  virtudes de                 cada um. Jorge de Lima ainda não havia sido  suficientemente                 apreciado, e Faustino lhe teceu fervorosos elogios,  dizendo-o um                 “finado mais vivo que todos os que sobreviveram”, apesar  de,                 segundo ele, não ter incendiado, em suas revoluções,  muitos                 dos templos em que deveria ter ateado fogo.  “Libertou-nos de                 muita sintaxe, de muitos cacoetes – materiais e formais –                 porém estimulou outros. É muita coisa, mas não basta”,                 sentenciou.                                   
                       À frente da Poesia Experiência,Mário incendiou o                 panorama literário brasileiro entre setembro de 1953 e  novembro                 de 1958. Com o lema “Repetir para aprender, criar para                 renovar”, foi o primeiro a apoiar o Concretismo. Crítico                 seguro, um dos mais conscientes de sua geração, pôs por  terra                 a fama de muitos autores erroneamente endeusados e  cobrou avanços                 de outros tantos, ao mesmo tempo em que recuperou de  nomes de                 valor que estavam soterrados, e revelou outros.                                   
                       Porém não atravessou em mar tranqüilo a  dissecação                 que operou sobre o corpo estirado da poesia brasileira.  Sofreu                 – como não poderia deixar de acontecer a um polemista –                 ataques à sua forma de proceder a revisão dos autores do                 passado e de sua época.                                   
                       Com o escritor Haroldo Maranhão e o ensaísta  Benedito                 Nunes (um ícone da teoria literária da atualidade e um  dos                 principais críticos de Faustino), o poeta fundou a  revista                 Encontro,que não passou do primeiro número. Mário e  Nunes                 fizeram a revista em Belém e a enviaram para Haroldo  Maranhão,                 no Rio de Janeiro. Fiel ao seu estilo cáustico, Maranhão  não                 hesitou a folhear o material: “Está uma m...!”.  Acabou-se                 assim Encontro, mas os amigos permaneceram juntos,  discutindo e                 trabalhando no suplemento literário do jornal “Folha do                 Norte”, do Pará.                                   
                       Mário viajou para os Estados Unidos, a fim de  estudar no                 Pomona College, com bolsa do Rotary International. Um  ano depois                 voltou a Belém, onde trabalhou na extinta Spvea  (atualmente                 Sudam). A trabalho, viajou para o Rio de Janeiro, onde o  cargo                 de professor-assistente na Escola de Administração da  Fundação                 Getúlio Vargas. Depois, foi para o Jornal do Brasil,  onde                 estreou com Poesia-Experiência e depois assumiu a  Editoria de                 Política. Viajava para Cuba como correspondente na área  quando                 o avião chocou-se com o Cerro de La Cruz, próximo a  Lima.                 Junto com ele foram-se os originais de um novo livro,  sem título,                 e que o poeta paraense Ruy Barata – um dos raros a  lê-los –                 disse que já se distanciavam dos de O Homem e sua Hora e  que                 eram brilhantes. A pedra dura, a mão rochosa do destino                 despetalou a não rosa. E Mário, obcecado pela palavra,  foi-se                 para sempre, com seu poema alado.                                                                      
                       Para saber mais: Há dez anos a editora Max Limonad  lançou                 “Poesia Completa e Traduzida”, de Mário Faustino.  Introdução,                 organização e notas de Benedito Nunes. O livro traz  poemas,                 fotografias do poeta, traduções e fragmentos de um poema  que não                 chegou a concluir.http://www.artelivre.net


2 comentários:
Sempre é bom lembrar do Mário Faustino e de sua obravida plena de força e poesia.
Belo post.
me encanta todos!!!! amo meu estado por isso...
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