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segunda-feira, 10 de novembro de 2008



Dez homens, dez histórias entremeadas de poesia. Dez vidas que se foram rapidamente, dez obras que marcaram para sempre a literatura do Piauí.

Em “Sociedade dos Poetas Trágicos” (sim, sim, a inspiração para o título veio do filme do Peter Weir), o jornalista Zózimo Tavares traça perfis de dez poetas piauienses que viveram pouco mas deixaram obras intensas, belas, atemporais.

Quando li as biografias e alguns dos poemas do livro, só de imaginar o sofrimento daqueles homens senti lágrimas nos olhos. Pensei na dor de um cara de 19 anos que sente a vida ir embora a cada tosse, a cada escarro. Me refiro a José Newton de Freitas, morto aos 19 anos, vítima de tuberculose. Sua poesia é cheia de tristeza, desespero e urgência.

Tavares comenta que a literatura brasileira reconhece Álvares de Azevedo como o poeta que morreu mais jovem, aos 21 anos. “Mas José Newton já é considerado por alguns críticos como o mais jovem porque morreu aos 19, deixando um trabalho marcante. O que acontece é que sua obra ficou muito aqui, quase não é conhecida fora. Tem especialistas que o vêem como o introdutor do Modernismo no Piauí, reconhecem em seus versos todas as características da poesia moderna”.

O livro é resultado de uma longa pesquisa e o autor diz que foi encontrando tantas histórias trágicas de poetas que teve que achar um critério de limites. “Os poetas trágicos do Piauí não são só dez, temos muitos mais, inclusive vivos. Nosso maior poeta vivo, o H. Dobal, convive há anos com o mal de Parkinson, que é uma tragédia na vida dele. Outro grande nome da poesia piauiense, Da Costa e Silva, viveu 16 anos sem saber quem era, por causa do Alzheimer. Resolvi então delimitar o livro pela idade, escolhi dez poetas que morreram antes dos 40 anos, quando estavam no auge de sua produção literária”.

Morte que assusta e fascina

É curioso perceber um certo fascínio pela morte na obra dos poetas escolhidos por Zózimo Tavares. Todos eles, ao menos uma vez, escreveram inspirados pela ‘indesejada das gentes’. Mário Faustino, por exemplo, no seu “O homem e sua hora”, parece pressentir: “Sinto que o mês presente me assassina, há luto nas rosáceas dessa aurora, há sinos de ironia em cada hora (na libra escorpiões pesam-me a sina). Há panos de imprimir a dura face, à força de suor, de sangue e de chaga”. Faustino morreu em um acidente de avião no Peru, aos 32 anos de idade.

A tuberculose, grande mal dos séculos passados, foi a responsável pelas mortes de boa parte dos poetas citados pelo jornalista. Alcides Freitas, morto aos 23 anos, tinha acabado de se formar em Medicina e de publicar seu único livro, Alexandrinos. Também ele fala de morte, e a sensação que passa é a de que a dor que sentia se transformava em versos, lindamente passados pro papel. “Morte, sombra do amor que os meus sonhos deslumbra! Abre os braços a mim, velha caveira triste! Que eu não fique mais no horror desta penumbra...Ai, no grande pesar da minha alma de monge, a dor, somente a dor, impassível, persiste...a dor de uma saudade...a morte que vem de longe...” (Trecho do soneto Meus Olhos).

Seu irmão Lucídio Freitas, fundador da Academia Piauiense de Letras, morreu aos 27, também vítima de tuberculose. A doença parecia rondar a casa da família, como bem disse Zózimo Tavares. Em “Perscrutadoramente”, o poeta se mostra revoltado com a iminência da morte, por já ter visto o sofrimento dos pais no momento da perda de Alcides. “Homem, parcela humilde, humilde e obscura, que anda perdida e desapercebida, buscando os vermes de uma sepultura.
O que foste? O que és? Para onde vais? Esta angústia maldita da tua vida foi a maldita angústia dos teus pais”.

Ainda por tuberculose, morreram Zito Baptista, aos 39 anos – é o autor de “Chama extinta e “Harmonia Dolorosa”, obras que encantaram o poeta Olavo Bilac -; e Nogueira Tapety, aos 27. Este deixou um diário onde relata o avanço da doença. Sua produção passou décadas dada como perdida e somente foi publicada em 1990 pelo Instituto Histórico de Oeiras e Academia Piauiense de Letras. O livro “Arte e Tormento” celebrou o centenário de nascimento do poeta.

“Façam soar as trombetas da morte e anunciem nossa passagem”

Torquato Neto é certamente o mais famoso dos poetas trágicos do Piauí. O anjo torto deu fim à própria vida depois de comemorar seus 28 anos em uma festa com amigos no Rio de Janeiro. Nas semanas anteriores ao suicídio, Torquato doou sua coleção de literatura de cordel, queimou vários de seus textos e destruiu a máquina de escrever. Na madrugada fatídica, se despediu dos amigos com abraços e beijos. Em seu “Poema do aviso final”, pediu esperança. “É preciso que alguma coisa atraia a vida ou a morte: ou tudo será posto de lado e na procura da vida a morte virá na frente e abrirá caminho”.

Licurgo de Paiva, morto em 1877 aos 33 anos, vítima dos seus próprios excessos e das noites boêmias regadas a álcool, é citado como o introdutor do Romantismo no Piauí. No dia de sua morte, ele mesmo vestiu o paletó com o qual queria ser enterrado e esperou chegar a hora. Sinistro, não?

E sinistras também foram as circunstâncias das mortes dos poetas Ramsés Ramos, aos 35 anos e Paulo Veras, 30. O primeiro bateu a cabeça ao cair no quarto de um hotel em Moscou e o segundo teve um ataque cardíaco fulminante e caiu por cima de uma panela onde preparava uma caranguejada para festejar seus 30 anos.

Ramos é o autor de “Vida, nossa quimera”, da qual retirei a frase que intitula este último trecho da matéria; e também foi jornalista, músico, tradutor e crítico de arte.
Zózimo Tavares, que também é professor de literatura brasileira na Universidade Federal do Piauí e cordelista, conta que por várias vezes teve que interromper os trabalhos de produção do livro por se emocionar com as histórias. “Não foi um livro fácil de escrever, em muitos momentos fiquei realmente muito emocionado, mas acho que ele cumpre seu papel de falar um pouco sobre esses grandes poetas que infelizmente se foram muito cedo”.

Contato:zozimotavares@ig.com.br

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