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segunda-feira, 10 de novembro de 2008




RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Pra mim, chega." Foi uma das últimas coisas escritas pelo letrista, poeta e jornalista Torquato Neto, em seu último texto, de despedida, na noite de seu suicídio, mesma noite em que comemorava seus 28 anos. Dessa noite, em 1972, até hoje, Torquato só fez tornar-se cada vez mais uma espécie de mito. Mito torto, triste, genial e de tristeza impenetrável. "Pra Mim Chega" é também o nome de biografia recém-lançada do escritor, realizada pelo curitibano Toninho Vaz, 57, que em 2002 estreou no formato escrevendo "O Bandido que Sabia Latim", biografia de Paulo Leminski.

Em sua nova recontagem da vida de Torquato, Vaz tocou em assuntos delicados, tendo uma personagem principal complexa, profunda e de personalidade pouco conhecida em sua totalidade. O poeta é geralmente citado como tímido, reservado, introspectivo, melancólico. A biografia revela uma personalidade diferente: abrangente, expansiva. Melancólica, sim. Mas também radical, anarquista, incansável, cheia de excessos e paixão pela vida.

Pessoa tão grande que é, um levantamento da história da vida de Torquato não poderia acontecer sem percalços. Um detalhe surgido na apuração de sua biografia mostrou-se delicado, mas revelador. Nana Caymmi, em entrevista, lembrando uma das primeiras tentativas de suicídio do poeta, comentou: "Pra mim, ficou claro que era uma paixão pelo Caetano. Todos ali falavam disso". Caetano Veloso, entrevistado pelo autor da biografia, foi categórico. "Se você me perguntar se nós éramos namorados, amantes ou coisa assim, eu posso garantir: não!"

O autor desconfia que esse tenha sido um dos motivos para a desaprovação pública à biografia por parte da viúva de Torquato, Ana Maria Duarte. Originalmente divulgado como projeto da editora Record, acabou abortado, até ser encampado, com aura de "maldito", pela Casa Amarela, que publica a revista "Caros Amigos". Com 73 entrevistas, o livro explica na introdução: Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia se escusaram de falar sobre ele.

Letrista, jornalista, poeta

Chamado de "ideólogo do movimento tropicalista" por Vaz, Torquato Neto foi talento arrebatador, sensível, louco, inclassificável nos seus interesses. Como letrista -sua faceta mais conhecida-, emprestou palavras para melodias de Edu Lobo ("Pra Dizer Adeus"), Gilberto Gil ("Louvação"), Caetano Veloso ("Nenhuma Dor") e parceria póstuma com Sérgio Brito, gravada pelos Titãs ("Go Back"), entre dezenas de outras. Como jornalista, escreveu em periódicos como "Correio da Manhã" e "Última Hora", onde manteve por muitos anos coluna de intensa agitação cultural. Como poeta, teve obra esparsa, rascunhada, apenas organizada postumamente.

Há pouco tempo, a editora Rocco organizou essencial trabalho de compilação de toda a obra escrita de Torquato, nos dois volumes de "Torquatália" ("Do Lado de Dentro" e "Geléia Geral"), com letras, poesias, colunas jornalísticas, roteiros, cartas, anotações, idéias e um diário de certo período em que esteve internado -voluntariamente, diga-se- em um hospital psiquiátrico carioca.

Período lembrado em detalhes neste "Pra Mim Chega", entre outras histórias de solidão, paixões e inconformismo, inclusive do seu período pós-tropicalista, já cabeludo e interessado em cinema e drogas, com lembranças surpreendentes de relações com Glauber Rocha, Zé Celso, Hélio Oiticica. Tudo muito natural para o poeta que escreveu que um poeta não se faz com versos: "É o risco, é estar sempre a perigo, sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela".

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